Maria Helena Raposo encanta os russos em 1958.
RUSSOS OUVIRAM SAMBA... E PEDIRAM 'BIS'!
Mais um extraordinário êxito foi conseguido pela MPB no exterior. Um grupo de artistas - Jorge Goulart, Dolores Duran, Maria Helena Rapôso, Nora Ney, Conjunto Farroupilha e uma orquestra comandada por Paulo Moura - atravessou a 'Cortina de Ferro' para mostrar aos soviéticos o genuíno samba brasileiro.
As notícias que nos chegam dão conta do grande sucesso obtido pelos artistas patrícios que são vistos nos fragrantes exclusivos, quando se exibiam na Casa do Exército Soviético, em Moscou. A caravana, que quando escrevíamos esta matéria se achava na China, desfalcou-se de 4 elementos - Dolores Duran, Paulo Moura e 2 músicos, que preferiram retornar ao Rio.
Dolores Duran eletriza a platéia soviética em Moscou .
Dolores em seu número mais popular na União Soviética.
Dolores Duran e colegas de excursão levam flores à monumento soviético em 1958, enquanto o povo de Leningrado assiste de longe.
II Guerra obriga cantor brasileiro a viver em Leningrado
reportagem d'O Cruzeiro sobre Tito Ramalho, cantor brasileiro de Santa Catarina que morava em Leningrado e vivia atráz da 'Cortina de Ferro' desde antes do estourar da II Guerra Mundial.
Tito Ramalho
A delegação de artistas brasileiros de rádio, cinema e TV teve uma surpresa ao chegar à Estação “Moscou”, em Leningrado. Tudo estava de acordo com o figurino: frio, céu de chumbo, gente de capotes, comitê de recepção em forma. A surpresa veio, porém, na forma mais inesperada. Entre russos brancos, caucasianos, moscovitas de tes clara, um ponto escuro e um riso largo que guardavam ainda versões de bom samba brasileiro. Eis o nome que da surpresa nacional em terra de Ivan, o Terrível: Tito Ramalho. Entre um alô bem verde-amarelo e um aperto de mão, veio o resto da História.
- Me chamo Tito Ramalho mesmo. Nasci em Tijuca Grande, Santa Catarina.
Esse foi o começo da conversa. Em seguida, foi um pegar de malas e uma partida para a casa. Tito ia à frente como um autêntico cicerone. Depois dele, ainda surpresos com o encontro, Nora Ney, Jorge Goulart e Maria Helena Raposo. Atrás, assoviando, vinha o alegre grupo de integrantes do Conjunto Farroupilha.
Na residência de Tito Ramalho a conversa virou carioca, com um gostoso café que foi o melhor presente que ele poderia receber. Todo mundo queria saber como o preto de riso grande e amigo fora parar na Rússia que já foi dos Czares. Com um cigarro brasileiro e um acento meio carregado, Tito explicou:
Vivi a maior parte da minha juventude em São Paulo. Trabalhei duro na estiva de Santos e me fiz até de mestre-cuca. Em 1935, com alguns crioulos e umas caboclas, embarquei com o famoso Circo Sarrazani. Fui parar na Alemanha. Depois de 2 anos passei a trabalhar sozinho. Ainda havia restinhos de burletas e meti lá meu samba-de-breque. O Pessoal gostou e veio uma série de espetáculos na Itália, Suécia, Suíça, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Tcheco-Eslováquia, Romênia, Bulgária, Hungria, Estônia, Lituânia, Letônia e Ilha de Malta. Em 1939, eu estava na Lituânia quando rebentou a guerra. Os nazistas invadiram o país e me cassaram o passaporte.
O liceu de Pushkine
Tive de ficar quietinho ali. Quando a guerra terminou, solicitei uma licença ao Kremlim para viver na União Soviética. Depois de um ano veio a resposta. Passei a ser cidadão russo de nacionalidade brasileira. Gozo dos mesmos direitos e deveres dos cidadãos nascidos na Rússia.
Nesta altura alguém arriscou uma pergunta:
- Porque você resolveu ficar na Rússia, em lugar de voltar para o Brasil?
Tito sorriu e não vacilou na resposta:
- Por uma razão muito simples. Refleti bastante. Estava entre o “volto ou não volto” quando me veio a idéia de que um preto sozinho na Rússia valia mais do que em minha terra. Aqui sou uma raridade. No Brasil, seria um como tantos. Iria de novo pegar no batente duro. Depois de 30 anos já não teria mais ambiente. Ninguém conhecido, compreendem? O melhor era ficar aqui mesmo. Tenho ambiente, sou um bocado apreciado e, depois, há uma siberiana e dois filhos em minha vida….
Eufália, a esposa siberiana de Tito Ramalho com seus filhos Tito II e Miguel.
A turma brasileira gostou da história e pediu notícias da “patroa” de Tito:
- Ela tem olhos azuis e loira. Conhecia-a durante uma excursão na Sibéria. Eufália Simionovna - agora tem um Ramalho a mais - era funcionária do Bureau de Justiça de Nova Sibéria e filha de uma médica daquela cidade. Levei-a, depois de casarmos, para a Lituânia, onde moramos até dois anos atrás. Depois, viemos para Leningrado, onde nos achamos agora. Gosto daqui e sou muito bem tratado. E Tito falou certo, pois toda a turma brasileira viu como ele era estimado em Leningrado.
Veio outro cafézinho - o chá no samovar esfriou cedo, e Tito sofreu outro gostoso interrogatório. O pessoal queria saber algo sobre o seu trabalho artístico e sua vida na Rússia.
- Sou feliz. Tenho este apartamento - todo mundo foi para a residência de Tito, de sala e quarto com aquecimento e móveis. Tudo por 89 rublos e 15 copeques por mês. Em cruzeiros dá 3.560. Meus garotos - Tito II e Miguel, de sete e seis anos - estavam no jardim-de-infância, pertinho daqui. Este ano, o mais velho irá estudar no Liceu, onde estudou Pushkine, o maior poeta russo.
E veio a pergunta bem carioca:
- Quanto você ganha, Tito?
- Recebo dois mil rublos por mês, quer trabalhe ou não. Ganho isso com a obrigação de fazer, apenas, treze concertos de quinze minutos por mês, cantando cinco canções cada. Tudo que vier por fora é pago como extraordinário. Quando estou viajando e viro “estrela” principal, recebo 300 rublos por audição. Meu rendimento mensal é, em média, de cinco mil rublos. Como vocês estão vendo, a coisa comigo aqui vai bem: televisão, radiovitrola, piano, enfim, tenho de tudo. E minha patroa fica em casa.
Jorge Goulart quis saber algo sobre as melodias que Tito está popularizando em Leningrado:
- Tenho já alguns sucessos, em meu repertório, para russo ouvir: “Muié rendeira”, Rolinha”, “Mamãe eu quero”, “Pingo d’água”, “Meu limão, meu limoeiro” e muita coisa mais.
Foi aí que a turma viu como o bom Tito ainda é bem brasileiro, embora pouco atualizado musicalmente. Daí vieram alguns ótimos presentes: “long-playings” de música nacional que o “colored” apreciou muito. A essa altura, talvez, ele já esteja fazendo circular, na Rússia o ritmo gostoso de 'Maracangalha' e sambas da nossa época”. Tito gostou muito do “long-playing” do Sylvio Caldas. E mais ainda: do quilo de café brasileiro: “Um presentão!”. Quando a moçada do rádio e cinema deixou a cidade de Leningrado, Tito era um ponto preto em campo de neve. Ele ainda disse: “Qualquer dia eu apareço!”.
reportagem da revista 'O Cruzeiro' – Dezembro/1958
retirado do blog de Claudevan de Melo
reportagem com Nora Ney na Revista do Rádio.
DEVEMOS REATAR RELAÇÕES COMERCIAIS COM A RUSSIA?
CAUBY PEIXOTO: Desde que a democracia continue salvaguardada não vejo mal em reatarmos.
JOSÉ VIANA – Eis minha resposta para esta pergunta: comerciais, sim... diplomáticas, não.
ROBERTO PAIVA: Devemos, sim. Sou inteiramente a favor da política da boa-vizinhança total.
AVALONE FILHO: Sim, desde que as autoridades competentes tenham cuidado com o comunismo.
AL NETO: A decisão deve ser do Congresso, do govêrno e da maioria da opinião pública.
ROMEU FERNANDES: Mas é claro! O comércio tem que ser livre, e nós não temos essa liberdade...
CORRÊA DE ARAÚJO: Sim. Quanto mais mercado tiver o Brasil, tanto melhor para seu sistema cambial.
ÂNGELA MARIA: Se essas relações significam realmente mais expansão econômica, é claro que sim.
AFONSO SOARES: Sou a favor das relações comerciais, pois trará benefícios a nós mesmos.
COLLID FILHO: Devemos, sim, senhor. O comércio internacional nada tem a ver com a política.
JÚLIO ATLAS: Completamente. Minha resposta é apenas a seguinte: precisamos de dinheiro.
HERON DOMINGUES: Sou contra. Não acredito que traga qualquer vantagem para o nosso país.
Revista do Rádio 5 ABRIL 1958.
Que maravilha essas fotos da Dolores. Belo resgate!
ReplyDeleteobrigado Andrei R. pelo comentário.
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